Desde a sua criação, o automobilismo tem sido prerrogativa do mundo masculino. Quem dirigia carros ou motos eram homens, quem trabalhava nas equipes e quem gerenciava a organização das corridas eram homens e quem acompanhava as corridas também eram majoritariamente homens. Até há poucos anos, a presença feminina na pista estava ligada a algumas notas de cor, como nos contou Paolo Gozzi no artigo anterior. Com o passar do tempo, porém, a paixão pelo automobilismo também cresceu nos círculos femininos.
Hoje observamos uma primeira mudança: para encontrar mulheres nos circuitos não devemos olhar apenas para o grid de largada ao lado dos pilotos, agora há mulheres motoristas, dirigentes, engenheiras, jornalistas e entusiastas nas arquibancadas. Sinal de que algo está mudando, embora a diferença em grandes números ainda seja notável.
Uma mudança que também começa de baixo
O número de mulheres e meninas que se aproximam do mundo dos motores tem aumentado ao longo dos anos: prova disso são as diferentes realidades que querem promover ou pelo menos dar a mesma visibilidade às mulheres presentes no automobilismo.
Vamos falar por exemplo sobre Mulheres no automobilismo, que conta histórias de meninas que iniciaram a carreira nas quatro rodas, sejam elas motoristas, engenheiras ou mecânicas. Essas histórias alcançam mais de 20 milhões de pessoas em blogs, podcasts e diversas mídias sociais. Só no Instagram a plataforma conta com mais de 120 mil seguidores.
Podemos citar também a MissBiker, a maior rede de mulheres motociclistas da Itália. Possui mais de 13.000 membros da comunidade e mais de 60.000 seguidores entre Facebook e Instagram. Além de contar um mundo de um ponto de vista diferente, a MissBiker procura sensibilizar quem atua neste mercado como as empresas, apoiando-os no desenvolvimento de produtos e serviços técnicos também para o setor feminino.
“Agora é cada vez mais um movimento para as mulheres no automobilismo.” Lisa Cavalli, CEO e fundadora da MissBiker, nos conta. “As mulheres também entraram no mundo automobilístico e estão obtendo cada vez mais oportunidades. O aumento se deve à crescente emancipação da nossa sociedade que leva à presença contínua das mulheres em todos os segmentos. Basta pensar no crescimento do número de mulheres motociclistas 32,4% tivemos nos cinco anos de 2013 a 2017. É impossível não notar esses números.”
Como a paixão leva à atividade esportiva
Além destas plataformas de visibilidade e empoderamento, vemos também um aumento de raparigas na actividade desportiva de base, que têm uma saída a níveis cada vez mais elevados. Se o campeonato feminino já foi lançado no motocross, nas seletivas e no enduro, no Superbike e no MotoGP não foi e aqui nasce o WorldWCR.
“O primeiro problema do WCR será encontrar visibilidade, propor histórias e personagens que de alguma forma consigam interessar o público” explica Paolo Gozzi, diretor do Corsedimoto.com, frequentador do paddock de Superbike desde a primeira corrida em 1988. “O lançamento no WorldSBK ocorre num ano mágico para a classe de topo. O confronto técnico entre Ducati e BMW é animado pelas batalhas espetaculares entre Bautista, Bulega e Razgatlioglu com a adição de um personagem mais mainstream como Iannone. Essa mistura eletrizante ameaça ofuscar as meninas. Além disso, a Superbike construiu seu charme sobre conceitos muito masculinos: o campeonato mundial de “durões”, de pilotos reais, agressivos (masculinos), desdenhosos dos riscos. Criar uma identidade original será um desafio muito difícil, mas precisamente por isso fascinante.”
Se ampliarmos o olhar, vemos como a partir de 2023 a F1 Academy é um caminho estruturado que visa levar as meninas a um futuro possível na Fórmula 1, a partir da criação da experiência necessária para chegar à F3. Este projeto envolve as equipes das principais séries gerenciando alguns pilotos da Academia, na verdade encontramos Red Bull, Ferrari e McLaren, para citar alguns.
Desenvolvimento de negócios e marketing
Vamos partir deste último caso para investigar como esses projetos são apoiados. Sabemos que a principal dinâmica é a do patrocínio e se olharmos os parceiros da F1 e os da F1 Academy, notamos em primeiro lugar a diferença de número e em segundo lugar também a variedade de nomes. Uma diferença que podemos justificar no menor número de corridas realizadas pela F1 Academy, mas não pelo facto de decorrer em conjunto com algumas rondas de F1: consequentemente traz consigo todo o mundo ligado a ela. É notícia recente que a partir de 2025 a Netflix também lançará uma série documental sobre a F1 Academy, como que para demonstrar o vínculo estreito não só em valores, mas também nos negócios dos dois campeonatos.
Precisamente nesta esteira faz sentido pensar porque faz sentido ou não que os campeonatos diferenciem os patrocinadores e igualmente que os patrocinadores apoiem múltiplos campeonatos. A presença de Charlotte Tilbury, uma conhecida empresa do sector da beleza, na F1 Academy é muito interessante, porque se inseriu num imaginário muito distante, o dos motores, do suor e do desporto, e fê-lo com uma operação online com o que é a marca e quem é seu público: as mulheres. Porque se você estiver com água e sabão sob o capacete, isso não significa que, mesmo depois de tirar o traje de corrida, você não possa cuidar de si mesmo.
Na F1 Academy também encontramos Tommy Hilfiger, que não aparece entre os parceiros da F1. Mas tem uma relação muito estreita com o mais famoso campeonato de automobilismo. Lewis Hamilton é uma das estrelas da F1 e há anos é o testemunho da marca de roupa, que também encontramos no monolugar alemão. Uma presença e uma relação que encontra mais espaço nas séries femininas.
Perguntemo-nos também por que muitos patrocinadores da F1 não se abriram para uma nova oportunidade. Pensemos na Rolex, que produz relógios para ambos os sexos e, portanto, tem um público razoavelmente direcionado ao estilo de vida e ao poder de compra, e não ao gênero. Ou porque a MSC Cruzeiros não quis alargar o seu foco aproveitando para perceber com maior profundidade quem é quem reserva as férias? Ou podemos citar a Paramount, que oferece entretenimento e não possui um catálogo composto por produtos mais apreciados pelo público masculino ou feminino.
Olhando para estas operações com olhos de um profissional, não podemos deixar de pensar desta forma também para o recém-nascido WorldWCR.
Nestes primeiros dois anos sabemos que ele será convidado do SBK. Até à data, muito provavelmente não haverá patrocínio neste campeonato feminino, porque é impulsionado nomeadamente pela FIM (Federação Internacional de Motociclismo), mesmo que não a nível financeiro. O patrocínio do WorldWCR praticamente não existirá em 2024. A WorldSBK Organization srl, empresa que gere os patrocínios do Campeonato do Mundo de Superbike, não pode “vender” o WorldWCR aos seus potenciais clientes e continuará assim durante dois anos. A mudança de ritmo ocorrerá em 2026.
Provavelmente será uma oportunidade desperdiçada para todas as partes envolvidas:
- para campeonatos porque nenhum valor útil é introduzido para tornar a estrutura cada vez mais atrativa e completa;
- para as empresas porque não podem investir em outras áreas úteis para atingir o seu público e, portanto, desenvolver o seu negócio;
- para as mulheres pilotos porque a sua visibilidade e o seu poder de envolvimento e empoderamento permanecerão talvez limitados ao que já existe agora.
“No Mestrado em Design Estratégia Digital ensinamos que os projetos, numa fase inicial, precisam de tempo para amadurecer e testar no mercado.” Silvia Barozzi, Coordenadora de Ensino do Mestrado em Design de Estratégia Digital da Politécnica de Milão, nos conta. “Neste caso, certamente não falta tempo ao WorldWCR: aguardamos 2026 com receio e, entretanto, poder ouvir para mapear a evolução nos próximos meses permitir-nos-á observar a tendência e recolher os primeiros dados deste novo desafio sobre duas rodas”.
No entanto, colocamos-nos outra questão: quando esta série passar para o MotoGP, o que vai acontecer? Seguirá os passos da F1 Academy, visto que o chapéu macro é o da Liberty Media? Até à data ainda é muito cedo para comentar crítica e exaustivamente sobre o WorldWCR, mas esta pode ser uma excelente oportunidade e uma grande oportunidade, tanto a nível cultural como empresarial, para fazer crescer todo o movimento.